O inesperado aconteceu. O povo das maiores cidades brasileiras foi às ruas. Dia após dia, gritaram palavras de ordem, exibiram cartazes, faixas e pinturas nos rostos. No estoque de protesto uma longa pauta: corrupção, mobilidade urbana, oposição a Propostas de Emendas à Constituição, aumento de preços do transporte coletivo, gastos excessivos nos preparativos para a Copa do Mundo, limitação do direito de ir e vir nas “áreas FIFA”, dentre tantas outras.
A imprensa e os governantes foram tomados de grande surpresa e reagiriam de forma absolutamente inadequada e na maioria das vezes de forma antidemocrática. Os primeiros tentaram caracterizar o movimento como a manifestação de um punhado de gente desocupada, violenta e reivindicando centavos. Os segundos se limitaram, nos primeiros dias, a tratar o assunto com a força policial e com indiferença política. A Presidente Dilma reagiu de forma reativa e letárgica, depois de ver manifestações inadequadas de seu primeiro escalão, foi a público aceitar a legitimidade das manifestações e seu conteúdo.
O PT perdeu a embocadura.
O afastamento do Partido dos movimentos sociais foi sendo estabelecido já nos primeiros anos governo. Inicialmente, pretendia ser o partido dos movimentos sociais, no entanto, para manter certo nível de estabilidade e governabilidade o PT foi se transformando em um conjunto de atividades estritamente partidária. O partido e o governo atuaram de forma sistemática no sentido de desmobilizar os movimentos sociais, aniquilar a sua autonomia, através de um programa permanente de cooptação das lideranças sindicais e dos movimentos sociais. As lideranças, assim como parte dos integrantes do partido, foram submetidos ao mundo da pequena política no intuito de construir uma hegemonia política. Perdendo assim um de seus traços mais característicos: o de ter surgido diretamente dos movimentos sociais urbanos.
Estabeleceu o maior programa de distribuição de renda do país, através de um conjunto de políticas públicas contra a miséria e a desigualdade. O partido estabeleceu bases eleitorais sólidas nas camadas mais pobres da população, o que lhe garantiu várias vitorias eleitorais. No entanto, o partido e o governo não compreenderam que um bem sucedido, e necessário, programa de distribuição de renda não era suficiente para avançar significativamente nas discussões sobre as desigualdades da sociedade brasileira.
No lulismo, os embates políticos foram adiados ao cooptar os sindicalistas, os movimentos sociais e o parlamento: toda possibilidade de embate político passa a ser resolvida na rotina, escandalosa ou não, dos gabinetes e dos ministérios. Ao desmobilizar os movimentos sociais e o novo sindicalismo, o lulismo preferiu a adoção de uma política de aquisição de certa hegemonia e não governar de frente, de forma positiva, com os antagonismos de uma sociedade complexa como é a brasileira.
Paradoxalmente, vivemos hoje em um país que tem uma presidenta da república com avaliações muito positiva e líder de intenção de votos para a eleição de 2014. Uma moeda forte, uma situação de quase pleno emprego e certa estabilidade econômica. Nossas manifestações de ruas não se assemelham ao que vemos nos países árabes, em Lisboa ou Madrid. O povo vai para as ruas reivindicar um esforço de construção de uma justa e nova sociedade brasileira.
Ao evidenciar um profundo mal estar com o país, nossos manifestantes olham para um lado e outro e não encontram lideranças com algum crédito e capazes de assumir a responsabilidade da condução da discussão política dessa ampla pauta de reivindicações. Nosso modelo de representação política não mais é capaz de atender a agenda política da população brasileira.
“É visível o esgotamento de nossas estruturas de participação política. Podemos procurar sistematicamente, e será sempre muito difícil encontrar meios que de fato sirvam de oportunidade e incentivo à participação. Como resultado, o cidadão tem tão somente o direito de voto, como a única via para se transformar em ator político. Ou seja, a participação é restrita às disputas eleitorais, em que partidos políticos competem por cargos eletivos”. (“DEZ ANOS DE GOVERNO PT” – 21/02/13)
Hoje, ainda no calor das manifestações, não podemos responder várias perguntas, dentre elas: quais serão os efeitos dessas manifestações para a candidatura de Dilma? Haverá algum candidato beneficiado? Qual será o fôlego das manifestações? No processo promissoras lideranças podem surgir?
De uma coisa tenho certeza: Não será possível cooptar o povo que foi às ruas das grandes cidades brasileiras.
*Milton Marques, consultor da Innovare Pesquisa para projetos de opinião pública, é autor desse texto, exclusivo para o Blog da Innovare.
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