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DIREITO AO ESQUECIMENTO

09-05-2013
Postado por Milton Marques em Palavrizar

Na “VI Jornada de Direito Civil”, evento promovido em Março pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovada a sugestão contida no enunciado 531, sobre o direito ao esquecimento, que passa a ser uma possível interpretação do Código Civil. Veja o texto do enunciado:

ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vem se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

O tema irá com certeza despertar grande interesse e levantar polêmicas.  Na série de “Entrevistas Coletivas”, o Blog da Folha de São Paulo, convida os leitores a opinar sobre o “direito ao esquecimento”; na internet, já podemos encontrar um material relativamente abundante sobre a discussão. Veremos qual fôlego terá.

O potencial dos danos provocados pelas novas tecnologias de informação não pode ser subestimado. De fato, uma pessoa pode ser atingida e, em poucos minutos, sofrer um dano irreparável em sua imagem ou reputação. Para os casos onde a informação não passa de uma calúnia, injúria, difamação ou veiculação de fatos sobre a vida privada ou algo equivalente, a solução é simples e não há grandes controvérsias: Deve-se autorizar a retirada do conteúdo apagando as reportagens e todos os dados históricos. Os infratores devem responder e ser penalizados pelo ato de disponibilizar e veicular notícias inverídicas, caluniosas ou privadas.  O atingido tem o direito, através de uma ordem judicial, de ver apagada da internet qualquer menção sobre esse tipo de veiculação.  Aqui me parece clara a possibilidade de utilização do direito de esquecimento: o cidadão deve ter ao seu alcance mecanismos para apagar dados pessoais veiculados na internet.

Mas será que esse debate determinará o que é legitimamente apagável?  Pessoas condenadas judicialmente, ou mesmo as que conseguiram notoriedade através de sua condição de personagem pública, não deveriam ter o direito de reescrever a sua biografia, sua história, excluindo fatos e versões negativas. A enorme maioria das pessoas vive e morre em um profundo anonimato; aquelas que chegam à condição de personagem pública agiram intencionalmente para chegar a essa posição e, por isso, devem se conformar em ver as suas informações pessoais ou históricas circularem livremente na internet. Ou seja, ao optar por uma vida notória, a pessoa abre mão do direito ao esquecimento, até mesmo porque, frequentemente, de tudo fez para não ser esquecida.

Seguramente, o Enunciado 531 trás uma ameaça ao direito de imprensa e a liberdade de expressão ao possibilitar a retirada de circulação da internet de conteúdo de interesse público.  Ao assegurar a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente, ao modo e a finalidade com que são lembrados, o enunciado determina quais são as possíveis de interpretação de um fato, a natureza da lembrança e, o que é pior, o que deve ser lembrado e esquecido.

Suzane Richthofen, que foi condenada por matar seus pais, pegou o país de surpresa mais uma vez ao se tornar pastora evangélica. Esse fato gerou polêmica e virou tema de debate nas redes sociais, o que ficará gravado para sempre na memória da internet. Vamos supor que daqui a alguns anos, depois de cumprida a pena, Suzane Richthofen se transforme em uma pastora evangélica que arrasta atrás de si uma enorme legião de fiéis.  Em função do exercício de seu novo ofício resolva pedir o direito ao esquecimento alegando ser ele um importante direito a ser concedido a um ex-detento.  Será que algum juiz terá a coragem de expedir uma ordem judicial para apagar da internet qualquer menção sobre seu passado tenebroso?

Imaginemos, por hipótese, outra situação. O pedido feito pelo de ex-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo para a sociedade brasileira, no final de seu mandato, em entrevista concedida a um jornalista, foi: “Eu quero que me esqueçam”. Falecido em 1999, se ainda estivesse vivo, poderia solicitar o direito ao esquecimento e apagar da internet todas as menções às suas polemicas e autoritárias frases, bem como as repercussões causadas por elas?  Faz sentido limitar o modo e a finalidade de como esses fatos pretéritos devem ser lembrados? Seria possível conceder-lhe o direito ao esquecimento?

Seria historicamente correto e justo com a sociedade brasileira apagar da Wikipédia o conteúdo lá existente? Menções que podem ser consideradas até mesmo banais, como:

Sobre a abertura política: “Se alguém for contra, eu prendo e arrebento“.

 Na posse como presidente: “Vou fazer deste país uma democracia“.

 Sobre a realidade econômica do país: “Sei que o Brasil é um país essencialmente agrícola. Viram, não sou tão ignorante quanto dizem“.

 Sobre as peculiaridades do Rio Grande do Sul: “Durante muito tempo o gaúcho foi gigolô de vaca“.

 Em resposta a um menino que perguntou o que faria se recebesse salário mínimo: “A única solução é dar um tiro no côco“.

 Em resposta aos estudantes que o insultavam durante visita a Florianópolis, em Santa Catarina: “Minha mãe não está em pauta“.

 Sobre os rumores de um golpe contra Tancredo Neves: “O que sei é que no dia da posse vou embora de Brasília levando apenas minhas mulheres“. Diante do espanto, a primeira-dama Dulce Figueiredo esclareceu: “É assim que ele se refere aos cavalos“.

 Em resposta ao jornalista André Luiz Azevedo, quando perguntado se o Ato Institucional nº 5 (AI-5) faria aniversário: “AI-5? Quem é esse menino?”.

 Em resposta à jornalista Leila Cordeiro, quando perguntado se seria candidato ao governo do Rio de Janeiro: “Tenho juízo, não sou maluco“.

 Sobre a militância política da classe artística: “Uma coisa que nunca entendi é porque todo artista, esse tal de Caetano Veloso, por exemplo, tem de ser dessa tal de esquerda“.

Mesmo tendo pedido, nunca lhe concedi o esquecimento.

País contraditório, o Brasil. Em um mesmo período de tempo em que é formada a Comissão Nacional da verdade, para apurar violações de direitos humanos ocorridas no regime militar e não deixar cair no esquecimento esse sóbrio período da nossa história, é aprovada pela “VI Jornada de Direito Civil”, promovida Conselho da Justiça Federal, a sugestão de regras para o esquecimento que pode atingir fatos públicos e históricos de interesse coletivo.

*Milton Marques, consultor da Innovare Pesquisa para projetos de opinião pública, é autor desse texto, exclusivo para o Sem Escala.

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