Uma inércia colossal abraça-lhe os pensamentos e também seus membros e ossos. Essa força o alicia tão eloquentemente, que o mantém inerte, no mais perfeito repouso. A procrastinação, dama maior de sua existência, reina absoluta e dita a prioridade do curso das tarefas. Tudo pode ficar para depois. O amanhã é seu tempo ideal.
Quando uma tarefa lhe é dada, a decisão de adiar chega avançando sobre qualquer outra, sequer dando tempo para que ele contabilize perdas ou ganhos. O alto custo desse adiamento acaba sendo pago com insônia, baixa autoestima e uma ansiedade velada, mas latejante. Ainda que não queira, sua experiência lhe envia imagens da vergonha, bem como dos olhares de desconfiança que lhe são lançados por terceiros e também das desculpas pouco verossímeis que criará no dia seguinte. Sua mente é assombrada por dois sentimentos: a falta de coragem para encontrar energia e domar a tarefa e a culpa por não conseguir fazê-lo. Ainda assim, ele acaba por repetir sempre o mesmo ciclo: adiamento, sofrimento e, por fim, insucesso.
Suas compras de Natal sempre ocorrem na véspera, seu imposto de renda nunca é enviado a tempo, seus projetos não se encerram no prazo. Aquelas tarefas que exigem oito horas para serem realizadas são deixadas para a última hora do expediente e, invariavelmente, acabam transferidas para o dia seguinte. Na sua cabeça, deixar para depois não é defeito, é só um jeito pessoal de priorizar as coisas.
Contudo, a vida desse clássico procrastinador é um ciclo previsível, e sua imagem pública, alicerçada em críticas, parece ser uma só: a do atraso. Coberto pelas vestes da descrença, ele já foi muitas vezes colocado de lado. Parece impossível lhe confiar qualquer empreitada baseada na precisão do calendário. Embora amável e por vezes otimista, não seria possível depositar confiança naquele que deixa tudo para o último minuto, que evita chegar ao fim da tarefa, ou mesmo que escamoteia diante de decisões simples a serem tomadas.
Dentro dele não há orgulho em conviver com um sabotador de si mesmo. Sua falta de capacidade para a priorização o castiga, e, ainda que ele saiba que tal característica deva ser aniquilada, a incapacidade de iniciar um ciclo diferente se apresenta dentro dele com força inumana.
Para mudar esse quadro, seria preciso quebrar a inércia, tomar coragem, parar de iludir-se, deixar de lado o autoengano, espantar a distração e, fundamentalmente, começar as tarefas de imediato, tornando a ação mais rápida que o adiamento. Todavia, assim como você jura que vai dar vida às decisões de ano novo, ele jura que vai parar de procrastinar, e, assim, sua vida prossegue, tal como a do sujeito do poema “Adiamento”, de Álvaro Campos.
Adiamento – Álvaro de Campos
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico…
Esta espécie de alma…
Só depois de amanhã…
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte…
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã…
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã…
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância…
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital…
Mas por um edital de amanhã…
Hoje quero dormir, redigirei amanhã…
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo…
Antes, não…
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã…
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã…
Sim, talvez só depois de amanhã…
O porvir…
Sim, o porvir…
*Margarete Schmidt, sócia da Innovare Pesquisa de Mercado e Opinião e gestora dos projetos qualitativos da empresa, é autora desse texto, exclusivo para o Sem Escala.
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