*Milton Marques, consultor da Innovare Pesquisa para projetos de opinião pública, é autor desse texto, exclusivo para o Sem Escala.
“Chorei, chorei, até ficar com dó de mim” (Chico Buarque)
Ela no quarto se trancou. Foram dias, duas semanas inteiras de completa solidão, assolada por um grande sentimento de profundo vazio, uma sensação de ser incompreendida e de estar sozinha no mundo. Chorou todas as lágrimas, tentou dormir, mas era sempre surpreendida com o raiar do dia. Comer não era possível, na garganta comida não descia. Quis morrer, mas não morreu. Compreendeu definitivamente o que vem a ser “cair no vazio da tristeza”.
Teve um período de tempo suficientemente longo para pensar – cortados por momentos de desespero intenso e convulsões de raiva em banhos de lágrimas –, tudo repassou, relembrou e reexaminou. Percorreu sua trajetória dos últimos 15 anos, o que tinha feito, como tinha feito, com quem tinha estado e convivido, seus relacionamentos mais próximos, enfim, colocou-se a minerar as razões, os verdadeiros motivos para o acontecido. Nesse exame de consciência, confrontou a sua autoimagem com o resultado prático e trágico do acontecido. E perguntava-se: como pode se iludir e se enganar dessa forma? A conclusão era arrasadora: definitivamente, não era a pessoa amada, respeitada e admirada que um dia imaginara ser. Muito dolorido se redescobrir dessa forma. Pessoas levam anos fazendo análise, mas, para ela, foi uma questão de poucos minutos, um átimo.
Na qualidade de sobrevivente, um dia teria de sair às ruas, retomar o trabalho e a vida prática. Olhou-se em um novo espelho, respirou fundo, foi até a porta, recuou, voltou e saiu. Andou passos miúdos, muito diferentes daqueles apressados e determinados do passado. Com a cabeça baixa, apontou o nariz para o chão e perdeu a visão da linha do horizonte. Tentou não ver pessoas, certeza teve de que elas também não a queriam ver. Aos transeuntes concedia somente uma troca de olhares fugidios. Para alguns tentou até sorrir. Sabia ela que nesse tipo de ruína não existe privacidade, todos sabem, todos estão julgando. Ela supõe que seja acompanhada por olhares, entre frestas de janelas, e que por detrás delas existam pessoas caçoando e quem sabe, até mesmo, saboreando o seu dissabor.
No total foram quatro votos além do seu próprio. Não teve nem mesmo os votos de familiares mais próximos. O suficiente para fazer as malas e sair. Pensava: quem seriam esses quatro eleitores que, ao contrário de todos os demais, resolveram nela votar? O que fazer quando alguém se aproximar, mentir e falar: votei em você!
Para ela era difícil crer, mas foram somente quatro “caraminguados” votos. Agora, vaidade nenhuma.
Essa não é uma história isolada. Em todas as eleições, principalmente para o cargo de Vereador, encontraremos candidatos com uma votação irrisória, vitimas de derrota acachapante. Mesmo excluindo aqueles que se candidatam para cumprir cotas ou simplesmente para fugir do trabalho, muitos são os arruinados pelas urnas. Ao proporem as suas candidaturas, consideram-se os eleitos, os escolhidos e os capazes de representar os seus iguais. Geralmente, ao contrário do que pensam os eleitores, acham-se os amados, capazes e os preferidos.
Esses atores políticos passam despercebidos em todas as eleições proporcionais. Poucos são os que por eles se interessam. A política parece avessa aos “pequenos” dramas humanos. Numa sociedade como a brasileira, que é aderente ao poder e ao prestígio e que tem olhos somente para os vitoriosos, os derrotados, os arruinados, sempre passarão à margem de qualquer relevante atenção. “Ao vencido, ódio e compaixão; ao vencedor, as batatas” (Machado de Assis).
Ela amaldiçoou o dia em que se candidatou; entre escombros, consolo não encontrou.
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