Surpreendente, muito surpreendente a decisão de Marina Silva de se filiar ao PSB, de Eduardo Campos. Nem mesmo o mais ousado dos analistas poderia supor uma atitude como essa. Todo o mundo político ficou definitivamente de boca aberta; até mesmo o candidato à presidência pelo PSB parecia não acreditar no que estava acontecendo e, visivelmente perplexo, durante a coletiva de imprensa, alternava momentos de alegria incontida e de confusão mental.
Marina fez a sua escolha e terá de arcar com os custos advindos de sua discutível tomada de posição. Deixou de utilizar a dificuldade de institucionalizar a Rede como partido político como uma oportunidade de denunciar o estreitamento das decisões do sistema judiciário e, principalmente, do sistema político brasileiro. Representante de um emergente, mas muito significativo movimento social, preferiu não insistir na estratégia de continuar arregimentando forças e aprofundar o discurso de renovação da política e de criticar as estruturas partidárias existentes. Era sabido por todos que a construção de um projeto coletivo dessa dimensão seria algo de difícil realização.
Não quis ser, segundo suas próprias palavras, a “Madre Teresa de Calcutá” e, muito menos, a “Rainha da Internet”. De forma um tanto quanto personalista, deixou que o projeto dos Sonháticos fosse questionado como uma possibilidade de expressão e de importância fundamental para aqueles que apostam no movimento como uma importante ponte para um futuro melhor e possível. A Rede, com sua proposta inovadora de agenda estratégica, tinha grande sucesso na proposição de um debate sobre a sustentabilidade e contra a ideia de progresso e desenvolvimento proposto pelos partidos políticos brasileiros.
Durante a coletiva de imprensa, na qual anunciava a sua decisão, Marina não escondeu que a escolha passava pelo fígado e muito pouco por uma análise de médio e longo prazo. Subjacente ao seu discurso estava sempre presente certa referência ao esforço do Palácio do Planalto, que de fato de tudo fez para inviabilizar a aprovação da Rede enquanto partido político. Seguramente, tudo que o PT queria era uma eleição sem Marina Silva, pois o que mais o partido – e o governo – teme é ter que enfrentar algo parecido com que o PT foi um dia foi.
A Rede, com a decisão de Marina Silva, pode perder parte do seu destino desejado: democratizar a democracia e criar um movimento por uma nova política. A escolha foi a de aceitar jogar o jogo da velha política. Não pode ela ser tão ingênua ao ponto de acreditar que sua filiação, mesmo que “democrática”, seja suficiente para que o PSB passe a compartilhar a agenda estratégica e da ética na política proposta pela Rede. Na política real do PSB, Marina Silva terá de enfrentar negociações consideradas como espúrias com outros partidos, com políticos de ficha suja, ou não tão limpa, conservadores e antiambientalistas. O PSB fará alianças e acordos com o mesmo padrão de conduta dos partidos tradicionais.
A Rede, com a filiação de Marina perde parte da boa condição que tinha de representar as “vozes das ruas”.
Mesmo com os seus 26% de intenções de voto na última pesquisa Datafolha, ela não terá o menor controle sobre as decisões políticas do partido e, com o passar do tempo, tende a não ser tão respeitada como agora. Inacreditável a resposta dada por Eduardo Campos, na presença de Marina Silva, a um jornalista quando perguntado, durante a coletiva de imprensa, se ele havia comunicado ao ex-presidente Lula a decisão de filiar Marina Silva nos quadros do PSB. A resposta foi: telefonei para o celular e o telefone fixo, mas ninguém atendeu. Admitir que havia ligado para tomar benção do ex-presidente revela duas coisas importantes: a primeira é o quanto o ex-presidente Lula é, de fato, considerado como o único grande ator político brasileiro, sendo que até mesmo uma chapa de oposição busca o seu “aval”, certo consentimento; a segunda é o quanto Eduardo Campos pode ser pouco talentoso politicamente, pois poderia ter poupado a recém-chegada desse tipo de constrangimento – como se sabe, na relação de Marina Silva com o ex-presidente o que não faltam são ressentimentos.
Como já estamos cansados de saber, os 26% de intenção de votos em Marina Silva não migram em conjunto para a candidatura de Eduardo Campos. Somente no decorrer da campanha é que saberemos o quanto de votos ela será capaz de agregar. A felicidade demonstrada por Eduardo Campos por ter os seus dias contados, pois Marina pode não transferir um grande volume de votos e ainda ser uma liderança política difícil de administrar.
Marina é acusada por seus pares de cometer “sincericídio”. Então, qual será a sua reação ao ver que o PSB tem como meta eleger a todo custo mais de 50 deputados federais, buscar a qualquer preço aumentar o seu tempo de TV e cooptar, sem muito rigor ideológico, puxadores de votos no Nordeste? Como será o encontro político entre Marina Silva e Edmundo (“o animal”), que deverá ser candidato pelo PSB a deputado federal pelo RJ? Marina terá que adquirir uma habilidade e uma “tolerância” política que não conseguiu em muitos anos de vida pública – se a tivesse, não teria saído do cargo de Ministra do governo Lula e, muito menos, do PT. Por ser completamente artificial, a aliança não suportará a realidade cotidiana de uma campanha eleitoral.
A aliança entre a ex-senadora e o governador de Pernambuco coloca pressão na disputa entre PT, PSDB e o PSB por aliados para a eleição presidencial do próximo ano. O resultado prático será a elevação do preço a ser pago pelos apoios. Dilma deve usar a reforma ministerial para acertar as alianças, enquanto Aécio Neves buscará o apoio do PDT, do Solidariedade e do rejeitado por Marina Silva, PPS.
Segundo a última pesquisa Ibope, a presidente Dilma Rousseff tinha confortáveis 76% de “potencial de voto”, em 22 de setembro. Não fiquemos surpresos se a próxima medição trouxer um crescimento desse potencial com votos que eram antes de Marina Silva. Ao querer dar o troco no governo e naqueles que tentaram inviabilizar a sua candidatura, ela poderá ter fortalecido ainda mais a candidata do PT.
Por outro lado, o PSDB, que anteriormente tinha sido escolhido, pelo PT, como partido principal para estabelecer uma polarização, ganha algum refresco para repensar a sua estratégia e tentar decolar a candidatura de Aécio Neves. Com o aparente fortalecimento de Campos e Marina, o PT passa a ser obrigado a pensar em uma disputa que tem outro interlocutor relevante e tende a se descuidar um pouco de seu agora, depois da não criação da Rede, principal adversário.
Marina frustrou severamente boa parte dos Sonháticos: a lógica da construção da Rede excluía esse caminho. Para os Sonháticos, depois da filiação de Marina Silva ao PSB, fica a pergunta: o sonho acabou?
Milton Marques, consultor da Innovare Pesquisa para projetos de opinião pública, é autor desse texto, exclusivo para o Blog da Innovare.
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